quinta-feira, 5 de março de 2015

A Introdução do Glúten na Dieta Infantil


A idade para a introdução do glúten na dieta infantil não influenciaria no desenvolvimento da celíase

E quando podemos oferecer cereais com glúten ao bebê?
 
Entre a papinha de frutas, o purê de legumes, o frango e o peixe, os pais normalmente são instruídos a introduzir os cereais com glúten na dieta de seu bebê entre os quatro e os seis meses de vida, de forma gradual, e, se possível, enquanto ele ainda consome o leite materno. Esta recomendação, que coincide na verdade com o hábito das avós de dar aos netos um pedaço de pão para chupar, foi estabelecida em 2008 pela Sociedade Europeia de Gastroenterologia e Nutrição Pediátrica (ESPGHAN) porque, segundo os estudos disponíveis até o momento, parecia ser a janela ideal de tempo para a introdução, que reduziria o risco de desenvolver a doença celíaca, uma intolerância de natureza autoimune a esta proteína presente no trigo, cevada, centeio e aveia. Entretanto, dois estudos experimentais publicados recentemente parecem fazer cair por terra este conselho, bem como os que vêm sucedendo-se ao longo das últimas décadas: a idade para a introdução do glúten não afeta o desenvolvimento posterior da celíase, não importa se dada em pequenas quantidades, ou simultaneamente com a latência materna.
 
O primeiro estudo, internacional, e com participação espanhola, realizou-se com 944 bebês com alto risco, já que nos testes genéticos apresentavam os genes HLA DQ2, ou HLA DQ8, necessários, embora não suficientes para o desenvolvimento da doença, e em parente de primeiro grau com celíase. Entre 16 e 24 semanas de vida (mais ou menos entre os quatro e os seis meses), a metade deles recebeu 100 miligramas de glúten ao dia, e a outra metade, placebo. Aos três anos, a incidência da doença em ambos os grupos foi semelhante (de 5,2% e de 4,5%, respectivamente), sem que se percebesse tampouco uma influência da latência materna durante o período da introdução.
 
O segundo estudo, de uma equipe italiana, realizou-se com 832 recém-nascidos com um familiar de primeiro grau celíaco. À metade do grupo, eles deram glúten em sua dieta normal aos seis meses, e à outra metade aos 12 meses. Apesar de que aos dois anos de idade era significativamente maior a proporção de crianças do primeiro grupo que haviam desenvolvido a doença (12% contra 5%), aos cinco anos de idade essa diferencia havia desaparecido (16%). O trabalho conclui que nem a idade de introdução do glúten, nem a lactância materna modificam o risco de sofrer da doença, embora a introdução com maior idade esteja relacionada com um atraso no início da mesma.
 
Diferente dos estudos anteriores, meramente observacionais, estas duas pesquisas experimentais aleatórias, publicadas na conceituada revista médica The New England Journal of Medicine em outubro, trazem maior qualidade, afirma o pediatra Carlos González, que expos a evidência científica disponível sobre a introdução do glúten no último Congresso de Lactância Materna, realizado recentemente em Bilbao. "Quando eu estudava, me ensinaram que o glúten devia ser dado aos nove meses, porque os sintomas da doença podiam ser mais graves nos bebês menores. Anos depois, foi passada uma versão contrária, melhor começar antes porque seria mais fácil de diagnosticar", explica com ironia. "Nós médicos deveríamos ter mais humildade, antes de correr para dar conselhos sem ter estudos bem feitos", conclui.
 
Estes dois estudos, no entanto, não esclarecem qual é o fator externo desencadeante para o desenvolvimento da celíase, já que, embora mais de 25% dos habitantes dos países ocidentais portem o gene HLA DQ2, ou o HLA DQ8, se estima que a doença celíaca afeta 1% da população, a imensa maioria sem ser diagnosticada. Tampouco se conseguiu saber a causa da epidemia produzida na Suécia entre 1984 e 1996, que coincidiu com o atraso na introdução do glúten dos quatro aos seis meses, e que deu lugar às recomendações posteriores. Como afirma o editorial do The New England Journal of Medicine que acompanhava a publicação destes trabalhos, "embora aumentem nosso conhecimento sobre a doença celíaca e provavelmente mudarão o tratamento das crianças com alto risco, são o princípio, mais do que o fim da investigação neste campo".
 
Leia o artigo original aqui:

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